terça-feira, janeiro 09, 2007

Vale a pena postar.

ARRAES DERROTA JARBAS COM EDUARDO CAMPOS

O mito Miguel Arraes ajudou seu neto Eduardo Campos a derrotar o inimigo Jarbas Vasconcelos na eleição de outubro de 2006. A análise é da jornalista Tereza Rozowykwiat, autora de “Arraes” (Editora Iluminuras), a recém-lançada biografia de Miguel Arraes, em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta segunda-feira, dia 08.
“Foi uma vitória de Arraes contra Jarbas, embora o doutor Arraes já tenha morrido”, disse Tereza.

Jarbas Vasconcelos foi eleito senador por Pernambuco com votação expressiva, mas seu candidato, Mendonça Filho (PFL), perdeu para Eduardo Campos (PSB) o governo do Estado.

Tereza disse que Arraes não pode ser entendido como uma figura nacional “porque o doutor Arraes nunca foi candidato a presidente, a vice-presidente, nem a senador. Ele nunca foi ministro”.

Arraes foi governador de Pernambuco por três vezes. Nos dois últimos mandatos, segundo Tereza Rozowykwiat, enfrentou forte oposição das gestões federais de José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.

“Essa fase do Fernando Henrique foi um inferno porque não vinha verba nenhuma para Pernambuco”, resume Tereza.

Clique aqui para ver uma galeria de fotos de Miguel Arraes.

Veja a íntegra da entrevista com a escritora Tereza Rozowykwiat:

Paulo Henrique Amorim – Tereza, você é jornalista há quanto tempo e onde você trabalhou?

Tereza Rozowykwiat: Eu trabalhei por 27 anos no Diário de Pernambuco. Sendo que a maior parte desse tempo trabalhei na editoria de política. E acompanhei Arraes durante 12 anos mais ou menos.

Paulo Henrique Amorim – Você acompanhou Arraes quando ele voltou do exílio?

Tereza Rozowykwiat – Quando ele voltou do exílio, não. Imediatamente depois não. Quando ele foi candidato em 1986, pela segunda vez a governador.

Paulo Henrique Amorim – O seu livro mereceu uma crítica da revista Carta Capital, que eu imagino que você tenha lido, do Argemiro Ferreira...

Tereza Rozowykwiat – Sim.

Paulo Henrique Amorim – Diz que o seu livro prende o Arraes, ou contém o Miguel Arraes nas lutas políticas internas de Pernambuco e não dá uma visão do Arraes, a figura nacional. Você concorda com essa crítica?

Tereza Rozowykwiat – Olha, não, pelo seguinte: essa visão nacional que ele gostaria, que eu acho que era a expectativa dele quando ele leu o livro, ela na realidade não pode acontecer, ela não se consumou, porque o doutor Arraes nunca foi candidato a presidente, a vice-presidente, nem a senador. Ele nunca foi ministro. Ele nunca teve, na realidade, esse papel tão destacado que ele faz uma comparação o tempo todo com o Brizola. Acontece que as circunstâncias em Pernambuco são totalmente diferentes.

Paulo Henrique Amorim – Quais são as circunstâncias diferentes em Pernambuco?

Tereza Rozowykwiat – Olha, Pernambuco eu acho que é o Estado politicamente mais polarizado do Brasil. Em todas as épocas. É muito radicalizado, muito dividido. Primeiro isso. Então, quando Arraes chega do exílio encontra um MDB aqui muito mais estruturado do que em qualquer outro Estado e que já tinha um candidato a governador.

Paulo Henrique Amorim – Que era?

Tereza Rozowykwiat – Marcos Freire e que inclusive, numa estratégia deles, eles lançaram a candidatura de Marcos Freire um ano antes das eleições, para impedir que Arraes lançasse a dele. Então, enquanto Brizola estava tendo a oportunidade de lançar a candidatura dele a governador do Rio, Arraes não encontrou essas condições aqui. Foi preciso esperar mais quatro anos para poder voltar, retomar o mandato que ele tinha perdido com o golpe militar.

Paulo Henrique Amorim – Arraes se elegeu então deputado federal, não é isso?

Tereza Rozowykwiat – Se elegeu deputado mais votado do Brasil e Marcos Freire perdeu a eleição em Pernambuco. Mas ele não teve condição de ser o candidato.

Paulo Henrique Amorim – Marcos Freire perdeu para quem?

Tereza Rozowykwiat – Para Roberto Magalhães. E ele também tinha uma posição, quando voltou do exílio, de não dividir a oposição. Então, enquanto ele pode, manteve essa posição. Quando ele vai para o governo, enfim, em 1987 ele assume. Ele tinha voltado com a anistia, mas só assumiu em 1987 o governo de Pernambuco. Então, ele enfrenta toda uma oposição do governo Sarney. E quando ele volta a ser governador pela terceira vez, o presidente da República era Fernando Henrique, então, essa fase do Fernando Henrique foi um inferno porque não vinha verba nenhuma para Pernambuco. Pernambuco foi nitidamente discriminada em relação a isso. Enquanto, por exemplo, os estados que privatizaram suas companhias energéticas receberam do BNDES o dinheiro adiantado, Pernambuco foi o único estado que não recebeu.

Paulo Henrique Amorim – Embora tenha privatizado?

Tereza Rozowykwiat – Não conseguiu privatizar.

Paulo Henrique Amorim – Não conseguiu...

Tereza Rozowykwiat – Até o final do governo não conseguiu privatizar. Por causa dessa briga com o Fernando Henrique no governo federal.

Paulo Henrique Amorim – E por que Arraes brigou com Fernando Henrique ou Fernando Henrique brigou com Arraes?

Tereza Rozowykwiat – Olha, nunca houve nenhuma identidade entre os dois, mas o motivo mesmo foi esse, de que não vinha verba nenhuma para Pernambuco. E tudo que era solicitado para Pernambuco era negado. Então, chegou ao ponto de não se poder pagar a folha de funcionários porque não tinha dinheiro. Não vinha dinheiro para projeto nenhum que era proposto.

Paulo Henrique Amorim – E como você descreveria, Tereza, a relação de Arraes com Jarbas Vasconcelos, que foi ligado a Arraes e depois rompeu com Arraes e se tornou durante muito tempo a principal figura política de Pernambuco?

Tereza Rozowykwiat – Não, espera aí. Deixa eu só concluir o negócio da Carta Capital.

Paulo Henrique Amorim – Ah, pois não...

Tereza Rozowykwiat – Veja só, tinha essa conjuntura e ele não tinha condições de sair de Pernambuco para se lançar no contexto nacional. Porque tudo aqui era muito mais adverso do que nos outros lugares. Como, por exemplo, ele compara com o Brizola o tempo inteiro mas não era essa a situação de Pernambuco. Arraes não podia se destacar de uma maneira muito concreta neste cenário nacional diante de tantos obstáculos. Embora, em todas as situações pelas quais o Brasil passou ele sempre se posicionou. Inclusive no livro eu coloco em cada situação qual foi a posição que ele adotou. Posições públicas, ele não foi omisso hora nenhuma. Agora, eu não poderia dar a ele essa dimensão nacional que o comentarista pede porque era uma lenda, uma ficção que não existe. Entendeu?

Paulo Henrique Amorim – Eu comentei essa crítica, Tereza, com meu amigo Fernando Lyra, que você certamente conhece e cita no livro e ele fez uma comparação que eu gostaria de submeter a você para ver sua opinião. O Fernando disse que é como se o Brizola tivesse ficado no Rio Grande do Sul e não tivesse ido para o Rio. O Brizola teria sido limitado dentro pelas desavenças e disputas dentro do Rio Grande do Sul e não ia poder ter uma projeção nacional. Você concorda com isso?

Tereza Rozowykwiat – Concordo, concordo completamente. E foi o que aconteceu aqui mesmo com o Arraes. Olha, você acabou de me perguntar de Jarbas...

Paulo Henrique Amorim – Jarbas, é...

Tereza Rozowykwiat – O problema de Jarbas com Arraes, na realidade aconteceu no momento em que Arraes desembarcou aqui do exílio. Porque era um espaço que Jarbas tinha conquistado brigando pela democratização do país na legalidade. Aí, de repente, começam a chegar que saíam das cadeias ou estavam saindo do exílio e esse pessoal que tinha lutado aqui pela legalidade não estava disposto a perder esse espaço político que tinha conquistado para os que chegavam. Então, Jarbas era uma das principais lideranças. Eram Jarbas e Marcos Freire as principais lideranças de Pernambuco. Então, já se nota desde a chegada de Arraes que já existia a formação de dois grupos dentro da esquerda de Pernambuco. Aí depois....

Paulo Henrique Amorim – Mas e esses grupos, eram Arraes... e os outros?

Tereza Rozowykwiat – Não, Arraes de um lado com alguns aliados dele. E o outro era justamente o pessoal que não tinha vindo do exílio, que não tinha sido preso. Que estava no MDB, brigando pela anistia, brigando pela democratização do país, mas dentro dos padrões da legalidade.

Paulo Henrique Amorim – E aí você inclui o Jarbas, Marcos Freire e quem mais?

Tereza Rozowykwiat – Praticamente quase todos os políticos daqui que tinham ficado no MDB.

Paulo Henrique Amorim – Inclusive Fernando Lyra?

Tereza Rozowykwiat – Inclusive Fernando Lyra. Agora, a relação oficial era boa. Tanto que Arraes apoiou a candidatura de Marcos Freire. Depois Jarbas foi lançado candidato a prefeito com apoio de Arraes. Quando Arraes é candidato a governador, recebe o apoio de Jarbas. A coisa veio se complicando ao logo do tempo, na medida em que esses espaços vinham sendo cada vez mais disputados, entende?

Paulo Henrique Amorim – Entendo. E o que significa nesse quadro, Tereza, a eleição de Eduardo Campos?

Tereza Rozowykwiat – A eleição de Eduardo Campos, eu acho que tem muito a ver com o doutor Arraes.

Paulo Henrique Amorim – É?

Tereza Rozowykwiat – Eu acho que tem, porque...

Paulo Henrique Amorim – É a vitória de Arraes contra Jarbas?

Tereza Rozowykwiat – Eu acho que foi uma vitória de Arraes contra Jarbas, sim. Embora Arraes tenha morrido né...

Paulo Henrique Amorim – Mas isso não tem importância, o Vargas também tinha morrido há muito tempo e continuou agindo na política brasileira. Acabamos de ver um evento nos Estados Unidos em que Gerald Ford, depois de morto teve um papel político muito importante...

Tereza Rozowykwiat – Eu acho que sim pelo seguinte: eu acho que o doutor Arraes continuou sendo um mito aqui.

Paulo Henrique Amorim – Ainda é?

Tereza Rozowykwiat – Ainda é. Ainda é. Um grande mito aqui. Há pouco tempo eu fui fazer uma matéria no interior, no Agreste, e fiquei impressionada com a reação das pessoas em relação a ele. Era uma matéria sobre cisternas, sobre água, captação de água. Era uma matéria sobre captação de água e as pessoas só lembravam das coisas que Arraes tinha feito. Então era como se depois de Arraes ninguém tivesse feito absolutamente nada. Então eu acho que é claro que o doutor Arraes influenciou muito nessa eleição de Eduardo. Mas existe uma outra coisa também. É que Eduardo, ele começou a trilhar uma carreira, onde ele se destacou muito recentemente como ministro de Ciências e Tecnologia. Ele foi um bom ministro de Ciências e Tecnologia. E ele, tem um carisma forte também. Então eu acho que não se pode atribuir só a doutor Arraes essa vitória. Agora, que foi uma derrota de Jarbas foi. Ele foi eleito para...

Paulo Henrique Amorim – Mas ele teve uma votação esplêndida para senador.

Tereza Rozowykwiat – Ele teve uma votação para senador, muito expressiva, mas menos do que se esperava. E o candidato dele ao governo do Estado foi derrotado.

Paulo Henrique Amorim – O candidato dele ao governador do Estado era pefelista ou era PSDB?

Tereza Rozowykwiat – Era pefelista.

Paulo Henrique Amorim – Qual é o legado que a senhora acredita que Arraes deixou, além dessa devoção que a senhora acaba de descrever que há, por exemplo, no interior de Pernambuco... isso se repete também em Recife?

Tereza Rozowykwiat – Em alguns lugares sim. Nas áreas de baixa renda.

Paulo Henrique Amorim – Mas aí a memória de Arraes se contrapõe ou se completa, ou se associa ao Presidente Lula.

Tereza Rozowykwiat – É diferente.

Paulo Henrique Amorim – Qual é a diferença?

Tereza Rozowykwiat – Eles vêm como coisas diferentes, a população.

Paulo Henrique Amorim – Como assim?

Tereza Rozowykwiat – Arraes é uma coisa meio mítica. É uma coisa meio... é muito endeusado. Por exemplo, quando o doutor Arraes era vivo teve que se suspender as idas dele às feiras porque a segurança não conseguia dar conta da situação. As pessoas queriam pegar nele, queriam rasgar as roupas dele, pegavam fotografia de doutor Arraes... até hoje na campanha de Eduardo, nessa última campanha de Eduardo, as pessoas iam para a campanha abraçadas com a fotografia de doutor Arraes. Era como se ele fosse um deus. Apensar de que é diferente de um mito qualquer, porque do mito as pessoas procuram uma certa distância. As pessoas não se aproximam muito do mito. No caso dele, ele era tratado pela população como se ele fosse uma pessoa da família, um parente, um amigo. As pessoas se dirigiam a ele para pedir conselhos conjugais. É muito engraçada a relação. Em relação a Lula, é como se fosse assim, um grande orgulho de Lula ser pernambucano. Aquela história de colocar muita esperança no que Lula possa fazer principalmente agora, depois do Bolsa Família, que aqui em Pernambuco todo mundo acha que a vida melhorou. A população pobre acha que a vida melhorou bastante depois de Lula. É uma coisa muito mais racional, a relação da população com Lula do que com Arraes.

Paulo Henrique Amorim – Entendo.

Tereza Rozowykwiat – Entendeu?

Paulo Henrique Amorim – Está ótimo. Muito bem, fico muito agradecido por sua entrevista e vou mandar comprar o seu livro.

Tereza Rozowykwiat – Eu fui clara?

Paulo Henrique Amorim – Claríssima. Obrigado, Tereza.

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